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Para esta pesquisa, foram realizadas três entrevistas (usando a metodologia da História Oral) para complementar o referencial teórico sobre arquivos pessoais e para obter depoimentos de agentes importantes da Fundação Casa de Rui Barbosa. Os entrevistados foram Gabriel Moore (CEDOC-Pinacoteca), Eduardo Coelho (chefe do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira - FCRB) e Rachel Valença (diretora do Centro de Pesquisa - FCRB). 
Além disso, houve uma entrevista para complementação do tema das linhas editoriais em instituições arquivísticas com Patrícia Artundo (responsável por projetos especiais da Fundación Espigas, Buenos Aires, Argentina). 
Confira trechos das três primeiras entrevistas e ouça os áudios  de todas elas na íntegra:




Gabriel Moore é graduado e pós-graduado em História pela Universidade de São Paulo. Em seu mestrado, com orientação de Ana Maria de Almeida Camargo, defendeu que os bancos de dados devem ser usados ferramentas de gestão em instituições arquivística. Trabalha como arquivista desde 1995, e atualmente é gestor do acervo do Centro de Documentação da Pinacoteca do Estado de São Paulo (CEDOC- Pinacoteca).


Definição de arquivo pessoal
O arquivo pessoal é um tema um pouco controverso ainda dentro da própria arquivística. Há uma série de teóricos que ainda encaixam com uma certa dificuldade os arquivos pessoais no hall de conceitos e métodos tradicionalmente existentes nos arquivos. Mas o princípio para você definir é mais ou menos o mesmo do arquivo institucional: é a forma como esses documentos são acumulados. Então, arquivos pessoais seriam os documentos que foram acumulados no decorrer da vida do titular daquele arquivo. Ou seja, tudo aquilo que tem função de provar uma atividade é o documento de arquivo por excelência. Os diários, as contas, tudo isso é documento de arquivo porque representa ou prova alguma atividade promovida pelo titular no decorrer da sua vida. E aí, nesse caso, o arquivo pessoal é muito parecido com o arquivo institucional, em que se tem uma atividade, que gera documentos que são acumulados naturalmente, no sentido de que não foram criados para ser fonte de história, para serem documentos interessantes, mas para provar alguma coisa. Uma atividade gerou aqueles documentos, não houve uma intencionalidade da empresa em gerar aquilo para uso posterior, eles foram criados como instrumentos administrativos. Por exemplo, uma empresa gera um balancete porque tem que coligir a informação financeira da instituição para apresentá-la à sua diretoria, conselho, acionistas e clientes, e não porque, algum dia, aquele balancete pode ser usado por um historiador para falar da história do empreendedorismo em São Paulo na década de 1950. E é isso o que se costuma levar em conta nos métodos utilizados nos arquivos, que visam justamente preservar esse tipo de contexto informativo dos documentos. Esse é o próprio princípio da arquivística: garantir a preservação da relação entre os documentos, que é uma relação de caráter funcional e não tem a ver com o conteúdo. O foco das ferramentas e do método na arquivística nunca é o conteúdo, mas sempre a função e o contexto de origem, a proveniência dos documentos. É sempre, portanto, uma visão de conjunto que não considera o conteúdo que o documento pode extroverter ou a informação que ele pode conter, pois isso é uma qualidade do documento que será usada posteriormente. Embora a demanda por conteúdo acabe surgindo no arquivo histórico, tudo o que se faz no arquivo durante o que chamamos de seu ciclo vital é focado na questão da função.


As etapas de trabalho em um arquivo
As etapas de trabalho no CEDOC são parecidas com as de qualquer instituição de guarda de arquivo. A gente basicamente faz o recolhimento, que pode ser feito por doação ou por acumulação natural (os setores da Pinacoteca, por exemplo, enviam periodicamente pra gente os documentos). Quando os documentos chegam, primeiro é feita uma avaliação do estado de conservação, para verificar se não tem nada que possa causar problema de conservação ao ser trazido pra mesma sala de guarda do arquivo permanente. Depois material é identificado e cotejado com o plano de classificação e avaliação. Então a gente faz a classificação e avaliação dos documentos, tem a parte de higienização de preparação do material para ser arquivado permanentemente, desmetaliza-se (substitui o grampo por linha de algodão), faz-se a limpeza, põe nas pastinhas de material de qualidade arquivística, depois vem a informatização que normalmente é feita antes do acondicionamento final, pra facilitar o trabalho. Depois de classificado e avaliado, as informações são inseridas no banco de dados, o documento é digitalizado, quando tem demanda pra digitalização, e depois ele vai para o acondicionamento final. É mais ou menos esse trâmite. Essa é a parte de tratamento da documentação, depois tem a parte de atendimento dos consulentes e dos pesquisadores, tanto internos quanto externos e as outras atividades que envolvem a captação de recursos, fazer projetos conjuntos de extroversão do acervo. Agora, por exemplo, há um projeto de exposição do CEDOC em parceria com a curadoria da Pinacoteca, baseada no uso do arquivo. Além disso, propomos publicações, como o livro da história do museu, que partiu do CEDOC. Apesar desses projetos, eu diria que 80% do nosso trabalho é em torno do tratamento do acervo entre receber, processar, guardar e recuperar.


Aproximações e especificidades entre arquivista e editor
A questão do editor, aqui a gente não tem esse trabalho específico de edição, aqui isso acontece mais quando a gente faz um trabalho de pesquisa dentro do arquivo, né. Porque aí isso tem que ser extrovertido de alguma forma, né, as melhores, as formas mais permanentes são em forma de publicação. Aí aquilo que a gente tava falando, passa pelo recorte de conteúdo, né, isso é difícil a relação entre pesquisador/editor, tô colocando o editor no mesmo, né, junto do pesquisador porque é o uso da informação que vai se dá aqui, né, lógico que a política editorial num arquivo... aí a coisa passa por outra instância, mas falando especificamente do uso. Eu acho que essa relação é complexa porque nosso foco não é conteúdo, apesar do arquivo ser procurado prioritariamente por causa do conteúdo que ele guarda. Então na hora de fazer esses recortes, a interferência do arquivista é menor, até ajuda porque a gente conhece muito bem o acervo então é fácil de identificar os assuntos, os eixos temáticos demandados pelo pesquisador, mas acho que tem grandes temas que é possível delinear, aí é que eu acho que a política editorial deve caminhar.


Publicações técnicas versus publicações temáticas
Eu acho que é fundamental reconhecer primeiro a diferença dos instrumentos de pesquisa e dos trabalhos que são pesquisas com recorte de conteúdo e de assunto específico oriundo daquele arquivo. Às vezes, até publicar as cartas, dependendo da forma como você publica, tem menos a ver com a ferramenta de acesso e mais com uma coisa de extroversão de conteúdo, de pensar a relação. Os recortes são muito pontuais, você pode pegar a troca de correspondência do arquivo do Rui Barbosa com o Barão do Rio Branco, e é uma coisa específica dentro do arquivo, é uma das relações que ele mantinha. O recorte para a publicação vai passar de certa forma pelo conteúdo a não ser que você esteja publicando as ferramentas de acesso ao arquivo. Se você vai publicar o guia, um inventário, um catálogo, você não tá falando de conteúdo, você está falando da organização, do arranjo que se deu em termos de função para esse conjunto documental, mas uma política de publicação, uma política editorial, no sentido de extroverter a informação contida naqueles conjuntos, é uma coisa realmente ligada aos possíveis conteúdos que podem ser explorados naquele conjunto.A abordagem das publicações vai variar de acordo com a tipologia, com o tipo do material, o conteúdo do material que você vai publicar, a função que ele vai ter, então no caso, uma tese de doutorado é bastante diversa de um inventário.


O conteúdo é uma etapa posterior
O princípio da arquivística que determina que é necessário preservar a relação entre os documentos é muito complexo pois essa relação entre os documentos está atrelada à função e não ao conteúdo que eles apresentam. A metodologia de arquivo sempre se baseia na função e nunca no conteúdo. O que importa para o arquivista é a função e o contexto de origem, a proveniência dos documentos. O arquivista, portanto, tem sempre uma visão de conjunto e focada na atividade que motivou a criação de determinado documento e não na informação que ele pode conter, qualidade que será usada posteriormente.


Publicação como forma de extroversão do trabalho do arquivo
A publicação é a forma mais duradoura de extroverter o trabalho de arquivo. Eu valorizo mais uma publicação, uma pesquisa bem feita, do que um evento passageiro. É lógico que você tem exposições que são muito bem feitas, muito bem documentadas, mas elas estão circunscritas a um evento. E como o foco da gente que trabalha com acervo é sempre essa coisa da permanência, das informações, dos documentos, então a publicação cumpre mais esse papel. Ela não é uma coisa que começa e acaba como uma exposição, ela perdura.
Além disso, a publicação é interessante porque ela também tem essa alta capacidade de associar a marca do patrocinador, coisa que essas outras atividades do arquivo não faz. Mas uma questão é como exteriorizar o trabalho do arquivo, que tem uma realidade muita específica? Você pode publicar inúmeras coisas sobre o arquivo do titular, falar das cartas... e não falar nada a respeito do arquivo em si. Então eu acho que essa realidade tem que estar sempre presente, porque a sociedade precisa compreender que esse trabalho é muito custoso e muito importante, então quanto mais essas publicações puderem enfatizar isso daí, trazer atenção pra essa questão, melhor.


As vantagens de um setor de editoração em uma instituição arquivística
Acho que a visibilidade é importante porque traz facilidade na hora de captar recursos. Mas tem que ficar muito claro que as publicações só são possíveis devido a atividade de preservar os arquivos, que são conjuntos únicos. Muitas vezes tem até alguns documentos do arquivo que podem existir em outros lugares, mas a relação que eles mantêm entre si é única, então esse contexto também torna os documentos que podem estar em outros lugares, únicos. Então eu acho que isso tem que ser aproveitado de certa forma pra reconhecer o papel das instituições arquivísticas, que nem sempre é bem entendido pela sociedade. Então acho que essas coisas têm sempre que caminhar juntas, pra essa extroversão editorial, em forma de publicação, facilitar a captação de recursos pra manutenção permanente do arquivo. É por isso que invariavelmente esses arquivos acabam caindo na mão do Estado, porque na iniciativa privada quando você tem uma pessoa que quer manter a instituição ela perdura, mas quando essa pessoa não tiver mais interesse ou não tiver mais lá, quem que vai garantir os 100 mil reais por ano pra fazer aquela coisa se manter em pé.


Novas mídias, novos caminhos: banco de dados e livro digital
Eu acho a publicação digital tem que ser pensada criticamente. Se você me falar para publicar em papel uma ferramenta de acesso ao arquivo, talvez eu ache que o formato digital seja melhor, pela facilidade de circulação e pela facilidade de você dinamizar ele, porque se você conseguiu completar a discrição de uma série, você atualiza. E afinal, quando você vai ter dinheiro pra fazer outra publicação? Nesse sentido, a publicação em papel é limitada, e o digital traz essa outra possibilidade. Agora, pras coisas acabadas, no caso de uma tese, eu acho que a publicação em papel ainda é a melhor forma inclusive de garantir a permanência desse troço, então não é só uma questão de dar acesso à informação, é de fazer com que ela perdure.

(Trecho da entrevista com Gabriel Moore realizada no dia 26/05/2010, no CEDOC-Pinacoteca, São Paulo)

Ouça a entrevista na íntegra:

Gabriel Moore by liviaazevedolima




 
Eduardo Coelho é graduado em Letras pela UFRJ, mestre e doutor em Literatura Brasileira também por essa instituição, com orientação de Eucanaã Ferraz e tendo como objeto de estudo a vida e a obra de Manuel Bandeira . Foi editor chefe da Língua Geral e atualmente é chefe do Arquivo-Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa.


Publicações da Casa de Rui Barbosa vinculadas ao AMLB
Os inventários analíticos dos Arquivos de Escritores Brasileiros são publicados pela Casa de Rui Barbosa. A gente não tem ainda um trabalho de publicação da parte museológica, como fotografias, porque quase todos os arquivos do Arquivo-Museu ainda não caíram em domínio público, menos os de Machado de Assis e Cruz e Souza. Se a gente quiser, por exemplo, publicar uma carta de Manuel Bandeira ao Drummond, vai precisar da autorização dos herdeiros de Manuel Bandeira e dos herdeiros de Drummond. Então todo documento vai precisar de uma autorização duplicada, o que duplica o nosso trabalho consequentemente. A gente até está organizando agora um guia de fundos ilustrado para divulgar o acervo, porque a gente tem 124 arquivos e quase todo mundo conhece cinco, seis. A ideia é fazer esse guia para divulgar mais esses outros fundos que ficam meio à margem.


Relação entre arquivista e editor
Aqui no AMLB a gente tem um trabalho mais de atividade-meio: organiza para que outros depois façam a seleção de conteúdo, e facilita a consulta. No inventário, a relação com o editor é uma coisa muito simples, mas pesquisadores e editores vêm aqui com muita frequência para recolher material para fazer seus livros. É o caso do Instituto Moreira Salles, que tem um setor de editoração. Eles têm arquivos pessoais também, mas com a função de fazer livros. Então, eles conseguem estabelecer uma relação entre o arquivista, o pesquisador e o editor muito mais estreita. Quando o arquivista começa a organizar, já sabe que possivelmente vai haver um livro sobre aquele arquivo, então já encontra alguma coisa bacana...


Pagamento de direitos autorais
Nos últimos seis meses, o IMS fez aquela edição de “Alguma poesia” em fac-símile, e quase tudo – as cartas, os manuscritos –, a não ser o livro, foi copiado, reproduzido daqui. Os direitos de uso dos documentos são pagos não para a Casa, mas para os familiares do titular. Primeiro eles pedem autorização dos herdeiros e vêm para cá já com a autorização. Eles podem reproduzir sem essa autorização, mas precisam assinar um termo de responsabilidade garantindo que aquilo só tem finalidade acadêmica e que, caso venham a produzir algo com fins comerciais, entram em contato com os familiares. Da Companhia das Letras também acaba tendo uma relação estreita em relação ao acervo de Vinícius de Moraes porque eles começaram a reeditar, de uns anos pra cá, toda obra. Eles fizeram uma fortuna crítica reunindo artigos que foram publicados na época em que o livro foi publicado, então eles terminam vindo aqui pra ver recortes de jornal e tem um caderno de imagens no início que também é a partir do nosso acervo.


Distinção entre coleção e arquivo no AMLB
O Arquivo foi criado em 1972, em função de uma sugestão que o Drummond deu na crônica “Museu Fantasia”, em que ele diz que pensa há tantos anos em criar um arquivo-museu, que era um sonho que ele tinha, do escritor brasileiro, e se questionava se era ou não uma fantasia. Como os diretores da Fundação na época eram todos amigos do Drummond, entraram em contato com ele e disseram: “olha, a gente pode fazer um arquivo-museu aqui”. Em pouco menos de um mês, eles criaram, na época, só Arquivo-Museu de Literatura, não tinha ainda de Literatura Brasileira. Logo em seguida, o Drummond escreve uma crônica que se chama “São Clemente 134”, que é o endereço daqui. Na crônica, ele diz que foi criado o arquivo-museu e pede que todo mundo que tenha um documento, um manuscrito, datiloscrito ou um objeto de um escritor brasileiro mande para cá. Então, começou a chegar muita coisa pelo correio ou as pessoas deixavam aqui. A partir desse material, entregue pela sugestão original do Drummond, é que se formaram as coleções. A gente tem, por exemplo, a coleção João Gumarães Rosa, que tem doação da filha, do Plínio Doyle, do primo. Então, esse acervo não se constitui como um arquivo porque os documentos foram sendo acumulados por várias pessoas. A gente separa como arquivo o acervo que foi acumulado por uma única pessoa, o titular do arquivo.


O recorte nos arquivos
A gente divide os documentos em séries: documentos pessoais, correspondência pessoal, correspondência de terceiros, produção intelectual, documentos diversos, iconografia. Além de toda essa separação, aqui a gente lida com um fato mais complexo, que é ter arquivo e museu, que são coisas muito distintas, misturados.
O objeto museológico, que a gente chama de documento tridimensional, envolve ainda um outro aspecto quando acaba ganhando um status de texto. Não de texto em si, mas de participante do processo de criação. Ou seja, certos objetos terminam tendo uma aderência histórica. O Bandeira por exemplo, tem um poema chamado gesso sobre esse gesso (aponta para uma estátua que caiu no chão e quebrou a parte de trás). Então até que ponto esse gesso não vale também como um documento textual que revela parte de um processo? É um objeto museológico, mas ele é mais do que isso por estar em um arquivo-museu.
Quase todo mundo que vem ao Arquivo-Museu tem um estudo na área de teoria da criação ou de filologia, de crítica textual ou crítica genética. E algumas pessoas que querem publicar livros procuram aquela carta que trata de um momento específico da criação porque isso também pode ser muito revelador.


Publicações técnicas versus publicações temáticas
Publicações técnicas e publicações temáticas são coisas de natureza distintas. Uma publicação na verdade é meio, a outra publicação é fim. De certa forma, uma publicação se dá muito em função da outra, é um desdobramento. E tem outra coisa: essa publicação em forma de guia ou de inventário ela não é capaz de reavaliar historicamente a obra de um autor, já a outra é. Ou seja, uma não tem a capacidade, a força ou a natureza de alterar conceitos sobre uma obra, mas já o que vai ser realizado a partir dela, que é essa de conteúdo, tem.


A burocracia das licitações
Eu acho a licitação no que diz respeito a setores de editoração em qualquer instituição é um crime porque você tem todo um trabalho de pesquisa de anos, você tem todo um trabalho de revisão, trabalho gráfico e no fim aquilo fica uma porcaria. Fica mal impresso, o papel, por fim não é um papel de boa qualidade, a cola... porque por mais que você fiscalize o cara burla. Como você sabe se a cola é de má qualidade? Você só sabe um ano depois que o livro ficou pronto e ele começa a descolar. Essas burocracias foram aumentando demais, não é a toa que reduziu o número de títulos publicados. Reduziu por falta de dinheiro, reduziu por excesso de burocracia, reduziu pela própria dificuldade de distribuição, acho que isso termina arrefecendo um pouco o mercado, a produção, pra que você vai fazer um livro se você não vai distribuir? Por fim vira um produto cult, não é?


A vantagem da coedição
Acho que a coedição é o que mais vale a pena porque as instituições públicas não têm capacidade de distribuição. Então por mais que você perca a manifestação do valor da instituição, porque você tá dividindo valor da importância da obra, é diferente o valor que você tem agregado a uma obra publicada só pela Casa Rui e a uma obra publicada pela Casa Rui e pela Nova Fronteira. Agora não adianta você também ter o valor por inteiro se você não distribui o livro. Eu acho reacionário isso, tem que botar o livro na rua. A coedição é uma beleza pra editora porque na verdade ela já recebe o livro produzido, até diagramado, pois quando a Casa faz coedição ela faz todo o trabalho e entrega o livro praticamente pronto. A editora faz mais uma revisão, faz a capa, comercializa, faz a parte de assessoria de imprensa, o marketing... agora o trabalho pesado de edição quem faz é a Casa.

(Trechos editados da entrevista realizada com Eduardo Coelho no dia 15/06/2010, na FCRB, Rio de Janeiro)

Ouça a entrevista na íntegra:


Eduardo Coelho by liviaazevedolima


 

Rachel Valença trabalha na Fundação Casa de Rui Barbosa desde 1977, tendo atuado como pesquisadora do setor de Filologia e coordenadora da área de Difusão Cultural. Atualmente é diretora do Centro de Pesquisa e a principal responsável pelo Setor de Editoração.


Sobre inventários de arquivo
Essas publicações são muito importantes pros pesquisadores porque nós publicamos o inventário de como é dividido o arquivo, cartas pessoais, documentos pessoais, originais... então o pesquisador, digamos, uma pessoa de fora do Rio que está pesquisando a obra do Pedro Nava, de posse desse, como a gente dá um resumo de cada documento, o pesquisador já vem sabendo o que vai interessar a ele. A gente fez uma distribuição muito ampla nas bibliotecas das faculdades de Letras, bibliotecas públicas das principais cidades, porque é um livro de trabalho, não é um livro de leitura, é um livro de trabalho.


Dificuldade: poucas publicações técnicas
A Casa de Rui tem duas grandes áreas finalísticas: pesquisa e documentação. Essas duas áreas deveriam estar igualmente contempladas nas publicações. E se não é assim, é porque a área de documentação não tem produzido o suficiente, quer dizer, nós temos três livros do arquivo, um Guia do Arquivo, uma Tabela de Temporalidade e o Thesaurus que é bem antigo, tem um que é “Repensando a arquivística contemporânea”, que é da série Papéis Avulsos... Mas eu gostaria de ter muito mais material da área de documentação para publicar, porque vende como pão quente, é uma coisa impressionante, sai tudo... Mas eles não produzem. Dá pra entender porque, são pessoas voltadas para um trabalho muito pragmático, daí as publicações... Eu acho que é uma lacuna e a gente acaba publicando preferencialmente a área de pesquisa porque produz mais e principalmente porque produz de uma forma mais acabada, mas amigável pra editoração.


Sobre linha editorial
De uns anos pra cá, acho que foi em 1999, numa reunião com os pesquisadores, porque eu já era do Centro de Pesquisa, surgiu da Flora Sussekind uma sugestão, ela disse, “sabe Raquel o que eu acho, que as nossas publicações ficam assim muito esparsas, a gente devia ter uma coleção, uma coisa como era antigamente”. Porque muito antigamente aqui na Casa a gente tinha a coleção Bernardo Pereira de Vasconcelos que era de textos históricos, e depois houve um momento em que ficou tudo muito solto, então a Flora deu essa sugestão e nós criamos a coleção FCRB que tem quatro séries: Estudos, Aconteceu, Manuscritos e Documentos. A série Estudos tem mais títulos porque a maior parte do que a gente publica aqui é trabalho de pesquisa, o pesquisador conclui um trabalho e ele publica pela Casa.


A equipe do setor de editoração
A Edições Casa de Rui Barbosa é uma editora muito antiga que atua desde 1941 e tem atualmente quase 1000 títulos publicados. Grande parte desses livros está esgotada e a gente tem sempre uma demanda de reedições, mas como as nossas dimensões de trabalho são ínfimas, às vezes eu fico envergonhada em contato com as pequenas editoras comerciais, ditas pequenas editoras, como a Casa da Palavra, Dantes, que são nossas parceiras na LIBRE (liga de pequenas editoras). Eu fico envergonhada porque eles têm assim seis programadores visuais, dez revisores, e nós aqui contratamos revisores, porque trabalhamos como uma equipe reduzida.
A nossa equipe aqui é mínima. Temos dois programadores visuais, na área de texto só temos um preparador que é o Benjamim. E o trabalho de fazer um livro é artesanal, as tarefas foram muito facilitadas pelo computador, mas não tudo. A gente fica entre a necessidade de cumprir os prazos e a necessidade de ter qualidade.


A interferência do conselho na escolha dos títulos
O conselho define assim “o que vai ser publicado esse ano?”, aí a gente começa a trabalhar nesses livros. Antes de ir pra gráfica só eu que aprovo. Eu não acho esse sistema ideal, eu gostaria de ter no Centro de Pesquisa um comitê externo pra avaliar as propostas dos pesquisadores, porque eu acho que uma instituição pública tem que ter um vínculo com a sociedade. Não só a editoração, mas por exemplo, quando os pesquisadores apresentam suas pesquisas eu gostaria de consolidar aquilo e dizer “a proposta do Centro de Pesquisa para 2011 é tal assim, assim” e ter por exemplo uma Heloísa Buarque de Holanda, pessoas da academia de fora da Casa que dissessem “isso aqui não tem a menor importância”.


A viabilidade das publicações e padrão editorial
A editora publica pouco, nós publicamos de dez a doze livros por ano, mas para equipe que a gente tem, pros recursos que a gente tem, a gente faz milagre. Por exemplo, nunca fazemos livros luxuosos, temos um ou dois livros de luxo no nosso catálogo, mas são livros resultantes de coedições, por exemplo nós fizemos com a Secretaria de Cultura do Pará um livro muito bonito sobre o Dalcir de Jurandir que é um escritor paraense cujo acervo está aqui na FCRB. Nós entramos com o trabalho e eles entraram com o pagamento da impressão, então é um livro de capa dura, ilustrado, mas mesmo assim quando veio a prova de impressão, houve coisas que eu achei horríveis, então eu disse isso aqui não está de acordo com o nosso padrão editorial, porque o nosso padrão editorial é um padrão discreto.


Coedição e distribuição
Antigamente era muito simples fazer uma coedição, mas de um tempo pra cá os auditores começaram a questionar como se fazia uma coedição com a Nova Fronteira dando vantagem a uma editora, por exemplo. “Então a Nova Fronteira vai coeditar com a Casa de Rui e pega o livro pronto e paga a publicação, por que a Nova Fronteira e não a Record e não a outra?”
A coedição interessa para nós por causa da distribuição, porque a nossa distribuição é muito precária e a gente só vende fazendo coedição. Nós somos uma editora sem fins lucrativos, não vivemos dos lucros que os livros nos dão, a gente não tem prejuízo, mas lucro também a gente não corre atrás. Agora o problema é que quando você faz uma coedição do livro x do pesquisador tal aquele livro esgota porque ele está na livraria Siciliano, porque ele está na Saraiva, na Travessa, então as pessoas vêem e compram porque ele tem qualidade. Quando a gente não faz coedição, o livro custa a vender e aí o auditor também implica “por que vocês têm esses encalhes de livros, não houve planejamento?”, é um questionamento dúbio: questiona porque vende, questiona porque não vende, então é complicado.


Novas mídias, novos caminhos: banco de dados e livro digital
A respeito de livros digitais, há muitos textos hoje em dia que a gente não pensa mais em publicar em livro, por exemplo, a coleção Papéis Avulsos, que tem livros pequenos, hoje está disponível na internet, no portal da Casa, e a pessoa baixa gratuitamente, não tem problema. Então a gente tenta contemplar com livro, com o impresso, aquilo que fica, que tem uma permanência, que não é meramente um texto de trabalho. Mas esse caminho tá, para nós, só começando.

(Trechos editados da entrevista com Raquel Valença realizada no dia 16/06/2010, na FCRB, Rio de Janeiro)

Ouça a entrevista na íntegra:

Rachel Valença by livialima



Patrícia Artundo é professora da Universidade de Buenos Aires, Doutora pela USP. Dirige atualmente o acervo e a biblioteca do Museu Xul Solar em Buenos Aires, é responsável por projetos especiais da Fundación Espigas, além de curadora e pesquisadora.

Ouça a entrevista na íntegra:

Patrícia Artundo by livialima